Origem do coronavírus: como versão sobre laboratório passou de 'teoria da conspiração' a alvo de investigação dos EUA
A China rejeita qualquer ligação entre a pandemia e o Instituto de Virologia de
Wuhan Durante meses, a ideia de que o novo coronavírus pudesse ter surgido em um
laboratório na China era vista apenas como uma teoria da conspiração. Mas agora
essa possibilidade começou a ser levada a sério pelos Estados Unidos.
Na
quarta-feira (26/05), o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou que os serviços
de inteligência redobrassem os esforços para investigar as origens da pandemia
covid-19. E essa ordem inclui a investigação sobre a teoria de que o coronavírus
teve origem em um laboratório na cidade de Wuhan, algo que um relatório de março
da Organização Mundial da Saúde (OMS) havia concluido ser "extremamente
improvável".
Por que Seychelles, país mais vacinado contra covid no mundo,
registra aumento de casos de coronavírusComo a pandemia do coronavírus afeta
nossos sonhos quando dormimos Biden revelou que deu a ordem após receber um
relatório inconclusivo que havia solicitado após assumir o cargo.
No documento,
procurava-se investigar se o vírus surgiu do contato humano com um animal
infectado ou de um acidente de laboratório.
O presidente argumentou
que a maior parte da comunidade de inteligência convergiu em torno desses dois
cenários, mas não há informações suficientes para avaliar se um é mais provável
do que o outro. Origem do coronavírus: as novas investigações dos EUA para saber
se vírus da covid-19 escapou acidentalmente de laboratório na China Coronavírus:
o menino de 5 anos que ficou cego e outros efeitos trágicos das informações
falsas sobre a covid-19 Ivermectina: de tratamento para gado ao Nobel, a
história do remédio sem eficácia comprovada contra covid-19 Após vacinação
rápida e lockdown, Israel tem o 1° dia sem mortes por covid em 10 meses Fim do
Talvez também te interesse Além disso, ele anunciou que Washington trabalhará
com parceiros em todo o mundo para pressionar a China a participar de uma
"investigação internacional abrangente, transparente e baseada em evidências".
Suas reivindicações aumentaram a ira de Pequim. O porta-voz do Ministério das
Relações Exteriores, Zhao Lijian, acusou Washington de não estar interessado nos
fatos e na verdade, e nem em um estudo científico sério sobre as origens do
coronavírus. "O objetivo deles é usar a pandemia para buscar estigmatização,
manipulação política e redirecionar a culpa. Eles estão sendo desrespeitosos com
a ciência, irresponsáveis com a vida das pessoas e contraproducentes para os
esforços conjuntos para combater o vírus", disse ele. Mas o que se sabe sobre
essa teoria que situa a origem do coronavírus em um laboratório de Wuhan? Da
teoria da conspiração a hipótese A covid-19 foi detectado pela primeira vez em
Wuhan no final de 2019.
Desde então, mais de 168 milhões de casos foram
confirmados e cerca de 3,5 milhões de mortes foram registradas em todo o mundo.
Wuhan foi o primeiro lugar no mundo onde o vírus foi detectado As especulações
sobre a possibilidade de o vírus ter surgido no Instituto de Virologia de Wuhan,
um dos principais laboratórios de pesquisa da China, começaram no ano passado e
foram disseminadas pelo ex-presidente Donald Trump. Em abril de 2020, relatórios
do Departamento de Estado dos EUA vieram à tona, mostrando que os funcionários
da embaixada estavam preocupados com biossegurança em Wuhan, o que parecia
alimentar essa hipótese. A China rejeitou este tipo de alegação, embora durante
muitos meses não tenha sido possível realizar uma investigação internacional no
local. Isso só foi possível no início deste ano, quando uma equipe de
pesquisadores enviada pela OMS preparou um relatório em conjunto com cientistas
chineses. Sem chegar a uma conclusão definitiva sobre a origem do vírus, o
documento apontou que era "extremamente improvável" que o vírus tivesse surgido
de um laboratório. No entanto, alguns especialistas mostraram-se céticos em
relação a este relatório, devido ao atraso da investigação e às limitações
impostas por Pequim para a sua elaboração.
A visita da equipe internacional da
OMS foi estritamente controlada pelas autoridades chinesas Um porta-voz da OMS
reiterou à BBC na quinta-feira que mais estudos são necessários "em uma
variedade de áreas, incluindo detecção precoce de casos e surtos, o papel
potencial dos mercados de animais, transmissão através da cadeia alimentar e a
hipótese de incidente em laboratório". Entre a ciência e o contexto político
Análise de John Sudworth, correspondente da BBC na China Os leitores que se
acostumaram a ler reportagens que classificavam a teoria do vazamento de
laboratório como apenas uma conspiração podem ficar um pouco confusos ao
encontrá-la de volta, repentinamente, na primeira página do noticiário,
apresentada agora como uma possibilidade completamente plausível.
A verdade é
que sempre houve evidências circunstanciais para apoiar as duas teorias
concorrentes. Uma origem zoonótica, na qual o vírus passa naturalmente do
morcego para o homem, é sustentada pelo fato de que os coronavírus já cruzaram a
barreira das espécies exatamente dessa maneira antes. Existem também muitos
precedentes nos quais pesquisadores de laboratório são acidentalmente infectados
com o vírus em que estão trabalhando. O surto de Wuhan ocorreu praticamente em
frente às portas do maior laboratório mundial de coleta, estudo e experimento
com coronavírus de morcegos. O que mudou não foram as evidências (até agora não
há nenhuma prova de nenhum dos cenários) mas sim a política. A teoria do
vazamento de laboratório, nascida em um ambiente envenenado por desinformação,
foi minada não tanto pelas negativas da China, mas pelo fato de que estava sendo
defendida por Trump.
A imprensa de todo o mundo deu as costas a ele. Minhas
próprias tentativas de considerar seriamente a teoria de vazamentos de
laboratório em maio do ano passado foram recebidas com longas e tensas
discussões editoriais antes de finalmente serem publicadas. A narrativa
predominante também gira em torno da ciência. Apesar das vozes dominantes de
alguns virologistas proeminentes que insistem que apenas uma origem zoonótica
precisa ser investigada, certo grupo de cientistas continuou a argumentar que
ambos os cenários deveriam permanecer na mesa. Pode ser tarde demais, é claro.
Onde quer que o debate vá agora, é altamente improvável que a China permita
outra investigação em seu território. O que motiva essa mudança? Recentemente,
diversos fatores se combinaram para a reabertura desse debate. Alguns
especialistas acreditam que o coronavírus pode ter passado do laboratório em
Wuhan para o mercado úmido em Huanan, localizado a poucos quilômetros de
distância Em 14 de maio, um grupo de 18 cientistas de universidades importantes
como Harvard, Yale, Stanford e Cambridge publicou uma carta na revista Science
em que questionava os resultados da missão conjunta da OMS e da China; e pediu
uma "investigação adequada" sobre a origem do vírus. No último domingo (23/05),
o jornal americano The Wall Street Journal publicou informações com base em
relatórios atribuídos a fontes de inteligência, segundo os quais três
pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan foram internados em um hospital
em novembro de 2019. Isso aconteceu várias semanas antes de a China reconhecer o
primeiro caso da nova doença no país.
O laboratório está localizado a poucos
quilômetros do mercado úmido de Huanan, o primeiro foco de infecções. Os
defensores dessa teoria afirmam que o vírus poderia ter escapado do laboratório
e se espalhado para o mercado. O principal conselheiro médico da Casa Branca,
Anthony Fauci, que no passado havia dito acreditar que o vírus havia saltado de
animais para humanos, admitiu na segunda-feira (24/05) que não tem mais certeza
de que o novo coronavírus teria surgido na natureza. "Não estou convencido
disso. Acho que devemos continuar investigando o que aconteceu na China", disse
Fauci. O Wall Street Journal contribuiu esta semana com outro elemento que liga
o laboratório de Wuhan à possível origem do coronavírus.
De acordo com o jornal,
em 2012, seis trabalhadores adoeceram enquanto limpavam fezes de morcego de uma
mina na província de Yunnan. Três deles morreram. Em seguida, especialistas do
Instituto de Virologia de Wuhan foram enviados para investigar o local, onde
coletaram amostras de morcegos da mina e acabaram identificando vários novos
tipos de coronavírus. Embora esses elementos não sejam suficientes para
demonstrar que o novo coronavírus teve origem em um laboratório na China, por
enquanto têm sido o suficiente para o Facebook anunciar que deixará de deletar
as mensagens publicadas em seu aplicativo que afirmam que a pandemia foi obra do
homem e não natureza.
Fonte: BBC NEWS